Pe. Ms. José Eduardo Sesso*
Naquele
3 de junho de 1963, via uma tristeza mal disfarçada no rosto de minha avó
materna. O “Papa Bom” agonizava no Vaticano. À tarde, ao dobre de finados os
sinos da igreja matriz do Senhor Bom Jesus do Monte, confirmaram: o Pontífice
morreu. Criança, nada entendia do significado do Papado. Mas intui que aquele
bispo de batina branca, robusto e simpático, era, de fato, alguém especial.
A
sua história, enquanto sucessor de Pedro, se iniciou aos 28 de outubro de 1958.
A sua eleição causou surpresa num primeiro instante. Quando o Cardeal Canali
pronunciou o seu nome, depois do “Habemus Papam”, a multidão que estava na Praça
de são Pedro ficou sem fala durante alguns instantes. Quem seria? Depois,
ressoaram os aplausos, mais por causa do nome que o Papa adotara, absolutamente
imprevisível e muito caro aos romanos, do que por ser quem era. Passado o
impacto, da inesperada eleição, já na bênção “Urbi et Orbi”, a multidão
vislumbrou, na amável figura de Roncalli, algo de novo e surpreendentemente
agradável. Aos 77 anos, a sua jovialidade devolveu esperança à humanidade e à
Igreja.
Ângelo
José, o primeiro filho depois de três meninas, de João Batista Roncalli e
Mariana Giulia Mazzola, nascido em Sotto il Monte, Bérgamo, aos 25 de novembro
de 1881, que segundo o costume, foi batizado no mesmo dia, na igreja paroquial
dedicada a são João Batista, tendo como padrinho o tio-avô, Antônio Xavier
Roncalli, o tio Barba, que, depois dos pais, foi o principal formador na fé do
futuro Pontífice, que teve ainda mais nove irmãos. Para a sua pobre e camponesa
família, Deus era o centro da existência, e em cada manhã o primeiro pensamento
e à noite o último.
Um
interessante e sinuoso caminho percorreu João XXIII antes de assumir a cátedra
de Pedro. Aos 12 anos, aluno do Seminário de Bérgamo, custeado pelo tio Barba;
em 1901, no Santo Apolinário, Roma. Nesta cidade, a 10 de agosto de 1904, na
igreja Santa Maria de Monte Santo, recebeu a ordenação presbiteral. Até 1914,
foi secretário do seu bispo, Monsenhor Tiago Maria Radini Tedeschi, e, simultaneamente,
professor no Seminário de Bérgamo. Na Guerra de 1914, serviu como capelão
militar, ao seu término, voltou ao seminário, como diretor espiritual. Suas
atividades até a ordenação episcopal, aos 19 de março de 1925, foram intensas e
exigentes. A partir desta data, novos ventos sopraram em sua vida, sempre
procurando viver o seu lema episcopal: “Obedientia et pax”, proposital inversão
daquele do Cardeal Baronio, com quem Roncalli muito se identificava, na mútua
paixão pela História Eclesiástica. Primeiramente, Visitador na Bulgária,
tornando-se, em 1931, Delegado Apostólico. Em 1934, vemo-lo na Delegação
Apostólica da Turquia e da Grécia. Nestes países, se lhe abriu o coração para o
ecumenismo e aos irmãos da Primitiva Aliança, ajudando-os a escapar da fúria do
nazismo, de tal forma que a Fundação Internacional Raoul Wallenberg defende,
desde o ano 2000, a atribuição do prêmio Justo entre as Nações, por suas
atividades em defesa dos judeus, durante a Segunda Grande Guerra. No complexo
final desta, em 1944, Pio XII o nomeia Núncio Apostólico na França, onde era
secretário o Padre Carmine Rocco, que depois foi Núncio Apostólico no Brasil,
de 1973 a 1982.
A
relação entre a Igreja e o novo governo francês era muito tensa e a escolha do
Papa, não podia ter sido melhor. Em 1951, era Observador da Sé Apostólica,
junto à UNESCO. Roncalli, nunca frequentou a Pontifícia Academia Eclesiástica,
onde são formados os que irão trabalhar na diplomacia da Igreja, todavia, a
exerceu na largueza do coração. Ao ser transferido para a Sé Patriarcal de
Veneza, a 12 de janeiro de 1953, o Jornal “Le Monde” assim se expressou:
“Monsenhor Roncalli deixa a França com muitos amigos e nenhum inimigo” e,
ainda, muitas histórias pitorescas, que continuaram também depois na Sé de
Pedro.
Entra
para o Conclave que o elegeu, como um ilustre desconhecido do povo e não
constava na lista dos “papabili”. Eleito Papa de transição, tornou-se o do
“aggiornamento”, o da primavera e de novos ventos para a Igreja, ao anunciar o
Sínodo de Roma, o Concílio Ecumênico e o novo Código de Direito Canônico,
contudo, não tinha em mente a ruptura com o passado. Pessoalmente, o Papa era
apegado à tradição, também na sua piedade e profunda religiosidade. De suas
oito encíclicas, as mais conhecidas são a “Mater et Magistra” e a “Pacem in
terris”.
Em
nossa Diocese, o seu pontificado fez-se presente de um modo particular ao
nomear Dom Aniger Francisco de Maria Melillo, nosso segundo bispo, a 29 de maio
de 1960. Uma feliz coincidência: à véspera de sua morte, depois de ter recebido
o viático profere, por quase 15 minutos, o seu derradeiro discurso, o encerrou
citando a Oração Sacerdotal de Jesus: “ut unun sint, ut unun sint”, para que
sejam um (Jo 17,21). Era o lema episcopal de Dom Aniger. O nosso Seminário de
Filosofia, por iniciativa de Dom Eduardo Koaik, leva o seu nome, que ao
anunciar na reunião do clero o motivo da sua pessoal escolha afirmou que, em
sua opinião, foi o Papa que marcou o século XX.
Foi
com a mística de um “parroco di campagna”, como sempre se considerou que passou
seus últimos meses, ao saber que um tumor maligno lhe destruía o estômago. A
sua bondade, sentimento que mais o caracterizava e que não se reduzia a simples
afabilidade, mas é a virtude da caridade, que foi crescendo na dura escola do
Evangelho, que exige renúncia de si e a crucifixão das próprias paixões. Uma
bondade paciente, esclarecida, que não rejeitou a colaboração da inteligência e
que exprimiu num admirável programa de reformas da Igreja, que encontrou o seu
ponto culminante na convocação do Vaticano II; de vastos horizontes, profética,
que soube ver longe e perceber as novas necessidades para a humanidade e para a
Igreja.
É
por isto que, desde a minha avó, em sua singeleza, até os grandes, de então, de
todas as nações, naquele Pentecostes de 1963, não conseguiam esconder sua
tristeza, quando o Pastor Eterno veio buscá-lo para a recompensa. Dela, um
pouco já vislumbramos, ao lhe pedirmos, desde 03 de setembro de 2000: “Beato
João XXIII, rogai por nós para também sermos sinais d’Aquele, cuja bondade e
amor, é a eterna fonte” (cf 1Jo ).
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